"Eu, Tonya" esbraveja a conturbada jornada da patinadora americana Tonya Harding


O sonho americano "american dreams" enraizado na cultura do Estados Unidos por meio do ideal de que o cidadão através de uma sociedade sem obstáculos possa atingir o sucesso e a prosperidade com o trabalho árduo, é o âmago político e econômico que transborda pelas beiradas no filme "Eu, Tonya" (2017), do diretor Craig Gillespie (A garota ideal). Por meio da cinebiografia da patinadora americana Tonya Harding (Margot Robbie), entre as décadas de 1980 e 1990, o longa exibe o contraste de realidades vivenciados pela profissional. De um lado, a leveza, a delicadeza e a riqueza da patinação artística, do outro, a agressividade e a violência presentes no cotidiano podre de Tonya. 

Conduzido de modo híbrido, o filme começa em formato de falso documentário com depoimentos de várias pessoas próximas da personagem, incluindo ela própria, a mãe LaVona Golden (Allison Janney) e, o marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan). Em seguida, apresenta-se uma narrativa linear com sequencias da infância de Tonya voltada exclusivamente para prática da patinação, o auge da carreira e os diversos conflitos com Jeff e LaVona. O grotesco e midiático incidente com a concorrente Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), é comentando em várias partes da narrativa. 

A jornada de Tonya Harding por si só já é um embrolho de eventos trágicos, a convivência conflituosa com a mãe dominadora e violenta, ocasiona diversos embates agressivos e, em nenhum momento observa-se espaço para uma aproximação carinhosa. Tanto que em uma das falas de Tonya, ela diz: "Eu queria ser amada". Essa busca em ser acolhida, faz com que se case com o primeiro namorado, Jeff, cujo temperamento não se diferencia em nada de sua mãe, desenvolvendo com ele um relacionamento permeado por brigas e agressões físicas. Em outras palavras, o vazio afetivo de Tonya se transfere para as pistas de patinação de um modo competitivo, feroz e debochado.

A atriz Margot Robbie que concorreu ao Oscar como Melhor Atriz, proporciona uma imersão na índole da personagem expondo de forma primorosa a rebeldia, a carência afetiva e a embriaguez de determinação que transbordam da alma de Tonya. Tal qual, a atriz Allison Janney, ganhadora do Oscar na categoria Melhor Atriz Coadjuvante em sua primeira indicação, disseca as camadas de amargura, tristeza e revolta da personagem LaVona, de modo imponente e segura de si.

Embalado por sucessos musicais das décadas de 1980 e 1990 tais como "Gloria" de Laura Branigan, "Romeo and Juliet" do Dire Straits e "Devil Woman" de Cliff Richard, o filme tem na trilha sonora um atrativo vibrante para deixar-se contagiar pela fluidez da história. Esse ritmo fluido, deve-se também ao trabalho impecável da montadora Tatiana S. Riegel, que confere agilidade, dinamismo e criatividade na composição das sequências, tendo sido merecidamente indicada ao Oscar na categoria de Melhor Montagem.

O roteiro além de explorar a conturbada vida pessoal e profissional de Tonya Harding, chama atenção para a questão da desigualdade social dos Estados Unidos, com várias cenas da personagem enfatizando em seus diálogos a falta de condições financeiras para se dedicar exclusivamente à patinação e, o sonho americano de conseguir escapar de sua conjuntura social por meio do trabalho duro com a patinação e, consequentemente, alcançar a prosperidade e o amor dos fãs.

Mesmo com a dramaticidade dos fatos, a narrativa consegue ser equilibrada devido a dosagem precisa de jocosidade, o que permite rir de algumas situações absurdas e, sair do cinema com a sensação de ter visto uma história energética e bem-humorada.
CineBliss




Ficha técnica: 

Eu, Tonya (I, Tonya)
Estados Unidos, 2017
Direção: Craig Gillespie
Roteiro: Steven Rogers
Produção: Bryan Unkeless, Margot Robbie, Steven Rogers, Tom Ackerley
Fotografia: Nicolas Karakatsanis
Montador: Tatiana S. Riegel
Elenco: Margot Robbie, Allison Janney, Sebastian Stan, Paul Walter Hauser

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